De acordo com Gandhi, a mudança social não-violenta exige a construção de uma nova sociedade sobre as bases de uma antiga, o que ele chamou de "programa construtivo". "A não-violência para Gandhi foi mais do que apenas uma técnica de luta ou uma estratégia para resistir à agressão militar", explica Robert Burrowes em The Strategy of Nonviolent Defense: A Gandhian Approach. Em vez disso, "estava intimamente relacionada com a luta mais ampla pela justiça social, autonomia econômica e harmonia ecológica, bem como a busca da auto-realização". Como Burrowes descreve:

"Para o indivíduo, o programa construtivo significava aumento do poder desde dentro através do desenvolvimento da identidade pessoal, da autoconfiança e do destemor. Para a comunidade, significou a criação de um novo conjunto de relações políticas, sociais e econômicas “.

Nos casos em que ocorreram revoluções políticas, mas a população não havia sido organizada para exercer a autodeterminação, a criação de uma nova sociedade mostrou-se extremamente difícil, muitas vezes resultando em um novo poder ditatorial usurpador. Gandhi postulou três elementos necessários para a transformação social: transformação pessoal, ação política e programa construtivo. Ele os viu como entrelaçados, todos igualmente necessários para alcançar a mudança social.

Componentes de um programa construtivo

Os diferentes componentes que os programas construtivos tentam incorporar em seu trabalho são igualdade, educação libertadora, autonomia econômica e meio-ambiente limpo. Tenha cuidado, contudo: não é só porque uma atividade parece abordar completamente uma delas que esta atividade equivale a um programa construtivo. Não é apenas porque uma grande corporação multinacional vende café originário de comércio justo em suas lojas que podemos considerar seu trabalho como um programa construtivo com foco na autoconfiança econômica para os agricultores! A violência estrutural do sistema econômico não está sendo abordada por meio desse trabalho; ou seja, os agricultores se tornaram um pouco mais dependentes de estruturas opressivas. O programa construtivo é um elemento de mudança social não violenta e, portanto, deve basear-se em princípios não-violentos.

O Instituto de Permacultura de El Salvador (IPES - http://permacultura.com.sv) é um exemplo de como os quatro componentes de um programa construtivo podem ser implementados. O IPES ensina às comunidades de camponeses (agricultores de subsistência) em El Salvador o modelo de permacultura rigorosamente sustentável para o meio ambiente. Os quatro componentes do programa construtivo são descritos na tabela da página seguinte, seguidos de um exemplo de como o trabalho do IPES promove a igualdade, a educação, desenvolve a autonomia econômica e incentiva o trabalho ecologicamente sustentável.

O processo de trabalhar em um programa construtivo tem benefícios fundamentais, o primeiro dos quais resultante na prestação de assistência imediata aos que mais precisam - o programa construtivo deve atender a uma necessidade particular e concreta de uma comunidade. À medida que as pessoas se reúnem em comunidade - não em ações individuais -, elas criam as bases para a mudança social. Gandhi elaborou o programa construtivo quando em treinamento para desobediência civil - que muitas vezes incluía a não colaboração. O trabalho construtivo oferece oportunidades para desenvolver as habilidades necessárias para construir uma nova sociedade.

Igualdade

A compreensão de Gandhi do programa construtivo

Para Gandhi, a igualdade poderia ser buscada através da criação de “ashrams”, (comunidades hindus auto-sustentáveis, normalmente vinculadas à elevação espiritual), da elaboração de campanhas políticas e de empresas cooperativas que se sobrepusessem às divisões sociais. Isso reduziria cisões comunitárias e religiosas, desigualdades de gênero e distinções de castas - especialmente em relação aos "intocáveis" - e incluiria membros das "tribos das montanhas" e pessoas que sofriam de lepra. Trabalhar pela igualdade significa superar a opressão e a violência estrutural (ver "violência").

Programa construtivo em El Salvador

O IPES treina os camponeses, apoiando comunidades com um poder social relativamente pequeno para se vincularem, criando uma rede inter-dependente e colaborativa. O IPES oferece treinamento em técnicas práticas de permacultura e desenvolve em seus participantes habilidades necessárias para atuarem como líderes de permacultura quando retornam a casa. Os formandos são encorajados a praticar e aprender uns com os outros, e os líderes locais são organizados em associações, dando-lhes voz poderosa nas estratégias de desenvolvimento. Desta forma, eles angariam apoio e advogam pelo uso de práticas agrícolas e de vida sustentáveis ​​frente ao governo e às ONG’s.

Educação

A compreensão de Gandhi do programa construtivo

Gandhi iniciou projetos educacionais; campanhas de alfabetização para promover habilidades básicas de leitura e de matemática, educação política, conhecimento sobre saúde e treinamento de não-violência para estudantes. A abordagem de "conscientisação" ou "educação popular" de Paulo Friere é um exemplo de como a educação pode oferecer à comunidade uma visão radical sobre as condições estruturais que sustentam os problemas que lhe afeta; o artigo de ativistas nepaleses sobre a reforma agrária também exemplifica essa abordagem.

Programa construtivo em El Salvador

O trabalho do IPES concentra-se no treinamento de líderes de permacultura. Em particular, eles usam uma metodologia de camponês para camponês que se basea em aprendizes que compartilham seu conhecimento com sua comunidade quando retornam a casa. O IPES coloca uma ênfase particular na formação de jovens. Além de aprender habilidades práticas de forma participativa (os treinamentos são projetados para serem acessíveis a pessoas com níveis muito baixos de alfabetização), os participantes observam as condições estruturais nos planos nacional e internacional que levaram à crise alimentar no país, bem como sobre mudanças climáticas. Isso inclui uma maior consciência histórica do legado do colonialismo.

Autonomia econômica

A compreensão de Gandhi do programa construtivo

As mais conhecidas campanhas de autonomia econômica de Gandhi envolveram a fabricação de panos e tecidos caseiros (khadi), feitos em toda a Índia. Outro programa construtivo feito coletivamente foi uma campanha de não colaboração com a dependência sistemática dos hindus frente aos tecidos britânicos. A autonomia econômica também envolveu a diversificação das culturas, a criação de pequenas fábricas nas aldeias e o desenvolvimento de sindicatos. As cooperativas de trabalhadores democraticamente administradas são exemplos de autonomia econômica.

Programa construtivo em El Salvador

Desde 1945, muitos governos salvadorenhos promoveram técnicas de agricultura de alta intensidade (a chamada "revolução verde”), dependentes de agrotóxicos e sementes selecionadas e de uso único. Os agricultores tornam-se dependentes de um método de agricultura insustentável, economicamente volátil, cujo valor da produção flutua muito de ano para ano. Os métodos de permacultura encorajados pelo IPES baseiam-se em insumos locais, desenvolvem sistemas agrícolas inter-dependentes e promovem esquemas de compartilhamento de sementes, para que os agricultores possam se tornar mais auto-suficientes e cultivar uma gama mais ampla de produtos. O IPES incentiva os mercados de agricultores locais, de modo que as pessoas locais possam vender produtos excedentes, em vez de depender de alimentos importados de Honduras, Guatemala, México e EUA.

Esforços ambientais

A compreensão de Gandhi do programa construtivo

Os esforços ambientais envolveram toda a comunidade no saneamento das aldeias, o que significava, para os hindus, ignorar abertamente as normas de castas. Em todo o mundo, os programas construtivos se concentraram explicitamente em preocupações ambientais, através de esquemas de produção de energia apoiados pela comunidade, produção local de alimentos e projetos de reciclagem.

Programa construtivo em El Salvador

Como em muitos casos, os mais pobres e vulneráveis ​​em El Salvador sentiram primeiro o impacto das mudanças climáticas. O IPES ensina técnicas de permacultura que ajudam os agricultores a desenvolver a biodiversidade e a melhorar as condições do solo usando técnicas que não precisam de produtos químicos prejudiciais ou sementes provenientes das grandes corporações. Os métodos de permacultura melhoram o saneamento local através do uso de banheiros de compostagem; a água da chuva é acumulada para beber e regar plantas; o uso de materiais de construção locais e naturais é incentivado.