Auteur
Andrew Metheven and Joanne Sheehan

Traduzido por Clara Carybé

Definir estratégia é como tentar atingir um alvo em movimento. Podemos citar e descrever alguns de seus elementos (organização, comunicação, objetivo, pessoas disponíveis, habilidades e recursos, por exemplo) mas é a interação desses elementos que faz da estratégia o que ela é.

Esta seção (“como desenvolver campanhas estratégicas”) e a seguinte (“como organizar ações não violentas efetivas”) são um conjunto de ferramentas e modelos desenvolvidos por ativistas ao longo de várias décadas para ajudar no planejamento de campanhas estratégicas e efetivas.

Um só elemento não compõe uma estratégia, mesmo que usado da forma mais eficiente. Uma estratégia é a reunião de elementos usados com eficácia para provocar mudanças.

Algumas ferramentas estão relacionadas a elementos específicos de uma campanha – por exemplo, usar a mídia, planejar uma ação ou organizar nossos grupos –; em contrapartida, há outras ferramentas mais amplas que ajudam a dar sentido ao funcionamento dos movimentos e campanhas – como o Plano de Ação do Movimento ou o escalonamento de conflitos. Lembre-se de que uma estratégia eficaz resulta em algo prático. Se a mudança não sai do papel – ideias geniais sem ação – não há estratégia; estratégia é pensar, planejar e fazer.

O que é estratégia?

“[estratégia] é a maneira de transformar o que se tem no que se precisa para conseguir o que se quer. É transformar recursos em poder para alcançar propósitos. É o elo conceitual que se estabelece entre segmentação, momento oportuno e tática com os quais se mobiliza e se usa recursos e os resultados que desejados.”

Marshall Ganzá, “Por que Davi às vezes vence”

Análise

Depois da vontade inicial de resolver um problema, é importante dar um passo atrás para ter certeza de que ele foi entendido; que temas estamos enfrentando? Por que isso é um problema? Como “nosso” problema se encaixa num setor mais amplo da sociedade, ou mesmo em escala global? Que outros problemas e temas estão relacionados com ele? Embora seja importante privilegiar um assunto, também é importante entender como a mudança pela qual você está lutando se encaixa em um movimento mais amplo. Por exemplo, uma campanha para barrar o trabalho em uma mina de carvão a céu aberto próximo a um determinado povoado também se encaixa num movimento global de pessoas preocupadas com o meio ambiente. Uma boa compreensão das questões sistêmicas que estão por trás do problema com que vamos lidar também é importante. Os ativistas da foto abaixo estão protestando contra a indústria armamentista e nem por isso foram até uma base militar ou a uma fábrica de armas. Eles se cobriram de tinta vermelha na frente de um banco. Por quê? Porque têm um entendimento profundo do contexto sistêmico do problema: nesse caso, a relação entre o comércio de armas e o setor financeiro.

Ambiente

Uma importante parte da análise é o entendimento de como o problema que esperamos resolver com nossa campanha está relacionado à sociedade em geral. Quanto mais entendermos o ambiente que queremos mudar, mais bem posicionados estaremos para agir. É surpreendente como uma pequena pressão, feita no momento e tempo certos, pode resultar em uma grande mudança. O ambiente pode incluir (mas não se limita a):

  • atitudes culturais tradicionais e suposições;

  • condições econômicas;

  • legislação local, nacional e internacional;

  • quem detém poder e quem toma decisões;

  • outros grupos ativistas associados ao problema;

  • indivíduos e grupos sociais que apoiam (e não apoiam);

  • “funcionamento” da mídia local e nacional.

Quando pensamos e agimos de maneira estratégica, levando em conta o ambiente social específico em que a questão está inserida, nossas esperanças e nossos desejos para o futuro, somos capazes de desenvolver um processo que nos mova entre essas duas posições. Uma estratégia abrange o entendimento do aqui e agora com uma teoria de mudança e a visão do futuro que desejamos alcançar.

Nossos amigos e aliados

“A boa estratégia envolve pessoas. Enfatiza não apenas para onde estamos indo, mas como chegar lá.”

Si Kahn, “A Guide for Grassroots Leaders”

Pessoas são essenciais para nossas campanhas. É difícil encontrar uma campanha bem-sucedida de “um só indivíduo”! Como organizar nossos grupos e encorajar o engajamento de novas pessoas é uma parte essencial da construção de uma estratégia para a mudança duradora, uma vez que isso faz com que a cultura de nosso grupo reflita a mudança que queremos alcançar. Isso significa construir poder dentro dos indivíduos, poder entre eles e poder para fazer com que as mudanças aconteçam (veja “nonviolence and power”). A ironia dos movimentos “libertários“ hierárquicos e excludentes não é compreendida por alguns. Uma estratégia deve reunir pessoas e mantê-las juntas.

Movimentos não violentos não devem tratar pessoas como fazem os militares. Ninguém é bucha de canhão, dispensável (veja “burnout”). Quando alguém deixa um grupo ou movimento por exaustão física ou emocional, é um exemplo de alguém sendo “desgastado”. A boa estratégia é construída, principalmente, usando a experiência daqueles afetados pelo problema ou ambiente que se pretende mudar e isso os fazem parceiros em pé de igualdade para organizar e propor estratégias. Suas vozes vêm em primeiro lugar.

Conflito, não violência e adversários

“Nós que estamos envolvidos em ações não violentas diretas não somos criadores de tensão. Simplesmente trazemos à tona a tensão que está encoberta e já existia.”

Martin Luther King Jr.

Estratégia permite o envolvimento em conflitos não violentos com confiança, disciplina e criatividade porque nos dá oportunidade de identificar as condições que queremos mudar e os adversários a serem desafiados ou influenciados para alcançar resultados. Saber quem toma as decisões, como podemos exercer pressão sobre essas pessoas e quando seria um bom momento para exercê-la faz com que nossa campanha tenha foco, disciplina e use menos recursos. A não violência permite que vejamos os adversários como pessoas, mesmo que suas ideias e ações pareçam antíteses do mundo que queremos criar. A não violência também permite escalonar conflitos de maneira positiva, disciplinada e criativa, não destrutiva ou alienante, como acontece com o escalonamento de conflitos violentos.

Objetivo e mensagem

Partindo da seção de “análise” acima, existem muitos grupos ativistas no mundo que não podem responder, de forma breve e sucinta, a questão “o que você quer mudar?”. Seja o objetivo uma transformação radical da sociedade, a derrubada de um governo corrupto, a mudança de uma determinada lei injusta ou a conscientização de um problema específico, é importante que uma campanha estabeleça qual a mudança desejada e como espera que ela aconteça, não importando quão utópica ou ambiciosa possa parecer. Sem esse simples, mas quase sempre negligenciado, elemento, uma campanha terá pouco avanço.

O objetivo deve se encaixar em uma visão ampla, uma mudança de longo prazo que se espera alcançar: talvez um “mundo sem guerra” ou “uma vida igualitária e feliz para todos”. Questionar como isso se reflete em seu objetivo (e, de fato, em toda campanha) é importante.

Ser capaz de comunicar objetivos, a mensagem, também é de suma importância. Encontrar maneiras criativas, desafiadoras e envolventes de se comunicar é ótimo e não são poucas as vezes que mensagens simples e ousadas são mais eficazes. O que as pessoas precisam saber imediatamente sobre a sua campanha? O que pode ser adiado?

Momento mais oportuno

Estratégia leva em conta oportunidade. Você tem uma semana para tirar seu amigo do centro de deportação da imigração, ou três anos antes que o governo decida sobre a política de energia renovável? Ser estratégico muitas vezes significa esperar para fazer uso pleno de nossos recursos, mas isso não significa ficar parado. Se, logo ali, há uma oportunidade

de se aproveitar de (uma cúpula internacional, uma crise econômica, uma votação na câmara, uma prisão de um ativista famoso), o que precisamos fazer agora para estar preparados para agir e não estar parados quando devemos estar em movimento? O caso do “Boicote aos ônibus de Montgomery” é um excelente exemplo de uma campanha altamente relevante, oportuna e estratégica que serviu de base para organização, educação e empoderamento.

Habilidades e recursos

Ser estratégico é também considerar as habilidades e os recursos disponíveis: dinheiro, pessoas, informações, imóveis, habilidades, contatos, elos comunitários e toda uma infinidade de outras coisas. Como fazer uso deles se não sabemos o que temos? Se não contamos com eles, onde podemos obtê-los? É importante também ser realista acerca dos recursos que temos e do que as pessoas com as quais contamos são capazes de fazer. Treinamento em não violência é parte fundamental da construção de uma “base de habilidades” para o nosso movimento.

Acima de tudo, estratégia significa saber como vamos usar todos esses recursos com criatividade e eficácia para exercer pressão e realizar a mudança que esperamos. Embora os recursos de nossos movimentos pareçam ser poucos e insuficientes para fazer frente aos adversários que enfrentamos, podemos olhar para outras campanhas que conseguiram fazer mudanças com recursos muito limitados e nos inspirar.

Táticas

Uma boa estratégia nos mantém concentrados em nosso objetivo quando estamos planejando ações, escrevendo material impresso, conversando com a mídia ou qualquer outra coisa prática e cotidiana que compõe uma campanha. Ter estratégia nos ajuda a escolher táticas mais relevantes para nossa situação específica e o tipo de mudança que esperamos fazer. Bloquear uma fábrica de armas será mais efetivo do que um programa de longo prazo para criar empregos locais orientados para a paz e construir normas culturais novas? Ou uma combinação das duas táticas nos permitiria trabalhar em muitas frentes de uma só vez? Nossa estratégia deve deixar claro quais táticas são usadas no seu funcionamento do dia a dia.

Resposta a mudanças

Essencialmente, uma boa estratégia não é apenas um exercício teórico em que um grupo faz uma única participação e depois esquece. Ela é melhor quando pensada como um processo contínuo, dinâmico, reflexivo e relevante para os objetivos de longo prazo de uma campanha, tanto quanto para as ações cotidianas dos ativistas. Uma estratégia precisa ser flexível e responsiva. As coisas mudam e nós nos deparamos com surpresas, mas ter uma estratégia clara nos permite ter criatividade e eficácia para enfrentar novas situações ou dinâmicas. Se a estratégia é dinâmica e está em desenvolvimento, isso é um bom sinal.