Autor
Denise Drake and Steve Whiting

Por que trabalhar em grupos?

A melhor maneira de combater a tática “dividir para dominar” é unir e resistir. Unir as forças não apenas significa trabalhar com outras pessoas dentro de um grupo, mas também implica grupos trabalhando com outros grupos para construir um movimento social forte. Lograr o êxito nos levará, em algum momento, a trabalhar com pessoas que podem não pensar exatamente como nós; elas podem estar se aproximando da nossa luta da partir de pontos de vista, motivações ou culturas-organizacionais bem diferentes. As campanhas bem-sucedidas para mudanças profundas e duradouras requerem um trabalho amplo, com diferentes grupos ou pessoas. É aí que percebemos a importância de um bom trabalho de grupo e notamos como respondemos à oportunidade de provocar a mudança que desejamos no mundo.

Como podemos manter nosso grupo ou movimento trabalhando juntos enquanto lidamos com nossas diferenças (gênero, classe, idade, raça, capacidades, posição e privilégio)? Um dos nossos muitos desafios é fazer um trabalho de mudança eficaz sem reproduzir os estigmas sociais (sexismo, racismo, preconceito de classe, homofobia, etc.). Diferentes grupos trabalham em diferentes contextos e culturas, e certamente terão diferentes abordagens sobre um tema específico; assim, não há uma receita específica sobre como manter um trabalho de grupo eficaz, mas há que se ter em mente algumas coisas para melhor trabalhar em pequenos ou grandes grupos envolvidos em uma campanha.

Motivações pessoais são importantes - por que você faz parte do grupo?

As motivações pessoais são importantes. Grandes ONGs elaboram perfis de diversas funções dentro de uma campanha e contratam pessoas com habilidades específicas para realizar seus planos, enquanto grupos menores dependem das habilidades das pessoas envolvidas na camapanha para fazer o que o grupo decidiu fazer. Muitas vezes, grupos pequenos que atuam localmente elaboram planos sem considerar as motivações pessoais, as visões e as capacidades de cada indivíduo. E, tendo em conta que a rotatividade de pessoas em grupos de base é comum, é importante incluir espaço para conhecer melhor cada um dos participantes e compreender os motivos pelos quais elas pertencem ao grupo ou vieram a uma reunião, bem como o que elas podem oferecer e o que esperam do grupo.

Cada um de nós está em posição distinta na jornada para compreender o problema e em nossa maneira de pensar e atuar em uma campanha. Nossas teorias pessoais sobre a mudança, nossa intuição sobre que tipo de ação ou estratégia será mais eficaz, tudo pode ser diferente. Alguns estão envolvidos porque precisam da conexão pessoal para agir. Outros, porque as lutas são urgentes e algo precisa ser feito agora mesmo! Outro fator motivador pode ser um desejo de compreender melhor o problema denunciado. Inevitavelmente, haverá alguns com uma combinação de motivações que não são facilmente identificadas. Ainda que haja alguma sobreposição em nossas preocupações e motivações - caso contrário, o grupo não se uniria - algumas das nossas razões para pertencer a um grupo, bem como as propostas de cada um sobre como resolver melhor o problema, serão diferentes. Embora essas diferenças possam ser uma fonte de tensão e conflito, eles também são ingredientes necessários para formar um grupo vibrante e um movimento social forte, quando os superamos.

Como é a cultura do seu grupo?

Os grupos tendem a desenvolver sua própria cultura ao longo do tempo, com base em conhecimentos, crenças, práticas e comportamentos compartilhados. Os indivíduos do grupo podem ou não estar cientes da cultura grupal porque estão mergulhados nela - as coisas “são porque são”. Provavelmente, novatos em um grupo apenas notarão a cultura deste grupo se ela for diferente de suas expectativas ou experiências anteriores de trabalho em equipe. Sentir-se em casa - ou pelo menos sentir que há espaço para serem verdadeiros e autênticos uns com os outros - é um fator forte para determinar se as pessoas irão se mobilizar e permanecer como parte de um grupo. E independente de qual seja o objetivo principal do grupo em se juntar, reuniões provavelmente serão uma parte inevitável do trabalho em conjunto. Uma boa reunião não só faz ou decide coisas: deve também envolver, apoiar e capacitar o maior número de pessoas.

  • Então, como você trabalha em conjunto em seu grupo? Que hábitos e rituais regulares você tem? Por exemplo, como você começa e termina as reuniões? O que vocês fazem juntos? Como você define papéis dentro do grupo (liderar reuniões, falar em eventos, fazer tarefas, tomar notas da reunião?)
  • Que tipo de energia no grupo, ou padrões de interação entre seus participantes, você percebe? Quantas pessoas falam nas reuniões? Elas são sempre as mesmas? O que a linguagem corporal diz? Como você compartilha informações?
  • Quanta confiança existe no grupo e entre os indivíduos? A confiança é importante para que as pessoas trabalhem juntas de maneira eficaz, e é construída por pessoas que se sentem seguras para compartilhar seus pensamentos, sentimentos e experiências pessoalmente, e fazendo atividades juntas. Uma pequena maneira de criar confiança nos grupos é agregar outras atividades socias às reuniões, como organizar um churrasco, um pique-nique ou um karaokê, para que as pessoas se conheçam informalmente e tragam mais de si mesmas do que apenas "o ativista" para a reunião.

"Existe uma relação direta entre a valorização da diversidade e a dedicação ao processo”.

Marianne Maeckelberg, “The will of the Many”

Construindo confiança

Um hábito de reunião que fomenta a confiança é quebrar o gelo começando cada reunião com uma simples roda de pergunta, em que todos respondem de forma sucinta a uma pergunta específica como "por que estou aqui" ou "como eu estou conectado ao problema". Para grupos com número de membros mais estável, pode-se responder a perguntas como "uma coisa nova que eu aprendi sobre o problema é..." ou "algo novo na minha vida desde a última vez que nos encontramos é ..." Fazer coisas socialmente fora do local de reuniões também pode aprofundar relacionamentos e criar confiança, dando espaço para que as diferenças pessoais sejam equacionadas. Essa estratégia também pode revelar diferentes tipos de liderança e outras habilidades valiosas, nem sempre evidentes nas reuniões regulares.

Inclusividade

Onde o seu grupo se encontra? O local é acessível por transporte público? Possui instalações e serviços adequados para pessoas com deficiência? Normalmente, o ambiente é aberto e confortável?

Reunir-se na casa de alguém, ou em um bar ou café, pode fazer sentido para alguns grupos, mas também pode criar barreiras ou dinâmicas pouco saudáveis ​​para os outros. Algumas pessoas podem não se sentir à vontade em relação ao álcool, ou outras podem estar com orçamento limitado, ou podem ser ideologicamente contra a obrigatoriedade de consumir. Mesmo a possibilidade de comprar um suco ou refrigerante, no caso de um abstêmio, pode parecer uma imposição, entre muitas razões. Você também pode considerar a contratação de uma babá para cuidar de crianças, ou recomendar que seja evitado trazer crianças às reuniões. Em suma, pense nas necessidades, valores e princípios éticos e religiosos que os membros do grupo - tanto os atuais como os potenciais - podem ter ao escolher um local e a hora de uma reunião.

  • Quando você se reúne, e por quanto tempo? As reuniões começam e terminam no horário?
  • Você toma nota e as compartilha? Essa função é compartilhada ou sempre feita pela mesma pessoa? Como você toma decisões?
  • Há algum acordo de grupo (como uma declaração de princípios explícita sobre as crenças do grupo e o comportamento esperado - veja 'manter a não-violência')? Com que frequência este acordo é revisto para checar se suas diretrizes ainda são relevantes para os membros do grupo?
  • Todos participam ativamente, ou apenas poucos falam? Como você abre espaço para ouvir as vozes que ainda não foram escutadas?
  • Como você lida com a diferença e o conflito? Pontos de vista opostos são permitidos, ou as diferenças são percebidas como “problemas”, que devam ser ignorados, sufocados ou resolvidos?
  • Você diz que acredita na igualdade, no compartilhamento de poder e na organização anti-hierárquica e, em seguida, ignora comportamentos depreciativos, jogo de poder e hierarquias informais? Você trabalha apenas com pessoas parecidas com você, ou com um espectro de aliados provenientes de várias classes, raças, capacidades e origens? Quão fáceis e confortáveis são estas relações?

Rejeitando nosso preconceito social

Muitas vezes ignoramos ou deixamos de dar credibilidade e atenção suficientes em nossos grupos ao fato de que, ao resistir à ordem mundial dominante e pretender construir um mundo mais inclusivo e participativo, estamos lutando contra uma maré de padrões de relacionamento esculpidos por séculos, que estabeleceram relações de poder hierárquicas dolorosas e opressoras. Podemos dizer que acreditamos na igualdade, na paz e na justiça, mas estamos marcados por séculos de sexismo, racismo, orgulho de classe, regionalismo, preconceitos, etc. Até que aceitemos que essa herança de preconceito social nos afeta, moldando nossa forma de ver o mundo, reproduziremos os mesmos sistemas sociais, econômicos e políticos que formaram cada um de nós. Utilizaremos nossos comportamentos opressivos internalizados contra nós mesmos e contra outros em detrimento de todos nós. Os relacionamentos baseados na igualdade, paz e justiça são difíceis de semear e ganhar vida em nosso clima atual de arrogância ("esse não é meu problema"), ignorância ("eles estão apenas um pouco chateados, mas vão superar isso") ou cumplicidade ("vou jogar junto com essas pessoas - eles são os mais poderosos, ​​dentro da sociedade”).

Conflito, mudança e grupos

Conflito

A motivação de muitos ativistas para se envolver em uma campanha surge porque simpatizam com os que estão em conflito entre a justiça ("nós") e a injustiça ("eles"). Muitas vezes esperamos e estamos preparados para entrar em conflito com o “oponente", ou o alvo da campanha, mas o conflito que surge dentro de nossos grupos geralmente não é parte de nossa estratégia, não sendo algo que esperamos ou aceitamos. Quer se trate de conflitos com o "oponente" ou entre membros do grupo, geralmente envolve a dor física e emocional, e nossas respostas mais típicas são dominar, suprimir, evitar, acomodar ou ignorar o conflito. No entanto, a não-violência ensina como lidar com conflitos de forma diferente para alcançar a mudança que desejamos ver no mundo. Assim, os grupos de ativistas locais precisam aprender a lidar com conflitos de maneira cooperativa, criativa e construtiva.

Mudança

A mudança interna e externa em nós mesmos e no mundo começa com a abordagem diferente em relação aos conflitos - desconstruindo os preconceitos sociais de gênero, classe, raça e poder. Ao mesmo tempo em que fazemos campanha sobre questões mundiais mais amplas, também precisamos nos transformar e lidar com as questões de preconceito social em nosso próprio ambiente e em nossas relações interpessoais. Não é um processo linear; não se sinta tentado em pensar de modo simplista que “temos que nos mudar primeiro antes que possamos mudar o mundo”; isso pode ser uma receita para a inércia. A mudança é dinâmica; as mudanças internas e externas são essenciais; estão intimamente conectadas e ocorrem juntas. A transformação é um processo holístico, sendo que cada uma, individual e social, alimenta-se no outro.

Acordo de grupo

Um acordo de grupo é uma lista de comportamentos sugeridos sobre como interagir uns com os outros. Quando bem feito, um acordo de grupo pode ajudar o grupo a interagir melhor um com outro, e praticar novos comportamentos para uma comunicação mais efetiva. Mesmo que seja um grupo informal e que todos os integrantes estejam relaxados e tranquilos, um acordo de grupo é uma maneira de construir e definir uma cultura grupal, tornando mais fácil que os recém-chegados se encaixem ao grupo.

Um acordo de grupo precisa ser baseado em um verdadeiro processo de grupo. Se você planeja a sessão que criará o acordo de grupo para durar 10 minutos, você está apressando o processo; Apressar-se tornará o acordo meramente formal, como um ritual, reduzindo seu significado. As pessoas precisam de tempo para expressar suas preocupações, fazer perguntas sobre o que está na lista e fazer um compromisso interno sobre os pontos do acordo - ou eliminar pontos da lista.

Idealmente, todo o grupo faz, em conjunto, uma lista dos pontos propostos para o acordo; alternativamente, alguns membros do grupo podem fazer isso. De qualquer maneira, a lista deve ser discutida e aceita por todos. O teste para a aceitação do acordo de grupo deve ser feito de forma genuinamente aberta e com participação ativa. Você pode querer pedir que as pessoas levantem as mãos se concordam com cada ponto da lista, ou usar a reunião que elabora o acordo como uma oportunidade para praticar a tomada de decisão por consenso. Deve-se esperar alguma resistência e perguntas sobre os pontos da lista. Desenvolver um acordo de grupo genuíno e eficaz requer tempo e disponibilidade para explorar o significado das palavras e para garantir a compreensão mútua.

Cuidado com os pontos que podem significar coisas diferentes para pessoas diferentes. Por exemplo, "escuta ativa" refere-se a um método de comunicação específico, mas também pode significar uma ampla gama de comportamentos e coisas diferentes para pessoas diferentes. Portanto, pode ser mais eficaz descrever claramente a definição de "escuta ativa", por exemplo, uma pessoa falando a cada vez, ou não haver interrupções quando alguém tem a palavra. Outro ponto frequentemente incluído em um acordo de grupo e que exige esclarecimentos é algo tipo "manter a confidencialidade sobre o trabalho do grupo"; Isso significa não compartilhar nada da reunião, ou é permitido falar sobre a reunião de forma geral, não identificando pessoas ou assuntos delicados?

Também é importante que a lista inclua comportamentos que podem ser regulados de fato. "Sem julgamentos internos ou externos", por exemplo, pode ser a ideia de um grupo sobre como fomentar a inclusão - mas não podemos monitorar ou aplicar regras sobre os pensamentos internos de outra pessoa. Então, se o grupo não pode impor um ponto da lista, não é um ponto eficaz para o seu acordo de grupo.

A aplicação de um item do acordo de grupo pode e deve ser feita por todos de maneira tranquila e delicada, e é melhor quando identifica claramente o comportamento inadequado no momento em que ocorre ou pouco depois. Por exemplo, 'João, concordamos em colocar nossos telefones em silêncio’.

Os acordos de grupo não são uma panaceia

Devemos ter consciência de que os acordos de grupo também possuem lado negativo. Na verdade, um acordo tende a representar as normas e condutas mais aceitas, ou predominantes, dentro do grupo, que pode desconhecer seu próprio poder e sua capacidade de influência na criação ou imposição da cultura de grupo, e como isso pode forçar outras pessoas a perder um pouco de si mesmas.

Por exemplo, "sem interrupções" é um ponto típico para um estatuto, mas ele expressamente prioriza um estilo de comunicação ao invés de outro. Neste caso, a visão predominante no grupo acredita que as interrupções reduzem a eficácia da comunicação porque as pessoas não podem construir seus argumentos quando são interrompidas. Esta tende a ser uma crença mais associada a profissionais brancos, de classe média e alta dos países do hemisfério norte. As pessoas de outras culturas podem ter um estilo diferente de comunicação e interpretar interrupções de forma diferente: elas podem ser vistas como uma maneira de manter a conversa em movimento, como uma maneira de mover-se no fluxo de uma conversa. Outros participantes podem querer responder ponto por ponto - em sua visão, uma pessoa tomar muito tempo levantando múltiplos temas, alguns sequer relacionados entre eles, pode ser considerada egoísta, rude ou autoritária!

Em suma, é importante que os estatutos sejam voluntários e genuinamente aceitos pelas pessoas, e não impostos. Esteja ciente também de que os estatutos não devem se tornar listas de comportamentos politicamente corretos, elaborados para impor as normas dominantes na sociedade.