Traduzido por Pedro Alcântara

Poder e hierarquia são frequentemente usados para oprimir os pobres no Quênia. Por exemplo, em 2012 um oficial governamental muito poderoso da polícia Queniana usou sua posição de poder para adquirir ilegalmente uma fazenda que pertencia a uma avó, um lugar que ela havia considerado seu lar por 20 anos. Ela foi despejada de sua fazenda e sua casa de tijolos com 6 quartos foi demolida. Nenhum registro legal foi encontrado no registro de terras que autenticasse a reivindicação desses homens poderosos sobre a fazenda. A comunidade vivia com medo, e sentia que eles não seriam capazes de desafiar os detentores do poder que estavam perpetrando essa injustiça. No entanto, ao lado de outros advogados de mudanças sociais e organizações parceiras que lidam com aspectos legais de injustiças especificamente para mulheres, o time da campanha conseguiu apresentar um processo na suprema corte de Kakamega e obtiveram uma ordem permitindo a avó retornar à sua fazenda. Nos dias que se seguiram uma nova rodada de batalhas legais entre os homens poderosos e a pouco-conhecida avó, que agora era apoiada pelos ativistas locais, teve início.

Estratégias....

Os ativistas da não-violência estavam determinados a ver a lei ser aplicada com rigor, embora estivessem cientes de que qualquer tentativa de aplicar a lei seria desafiada. Eles sabiam que qualquer campanha precisaria de esforços orquestrados de organizações e indivíduos com as mesmas ideias, se fosse pra ser bem sucedida. “Nós começamos a traçar estratégias para a campanha. Buscamos instruções de escritórios administrativos importantes como o Comissário Distrital da área que é responsável pelo Conselho de Segurança do distrito. Embora afirmasse claramente que a lei deveria ser cumprida, ele admitiu que não estava em posição para implementar a ordem da corte, porque o policial era seu superior. Como comandante da polícia, ele com frequência designava oficiais armados para vigiar a fazenda sempre que ele suspeitava que a avó poderia estar planejando retornar." Explica Benson Khamasi, o líder do time da campanha.

Na quinta-feira que os ativistas pretendiam retomar o lar da avó, um contingente de oficiais da polícia armados protegeram a fazenda durante todo o dia. Com isso ficou confirmado que o homem poderoso não respeitaria a lei, e usaria de quaisquer meios disponíveis a ele para nos ameaçar e intimidar. O time da campanha percebeu que eles precisavam de um novo plano, e passaram o dia elaborando estratégias. Uma coisa que ficou clara foi que o time precisava trabalhar só com aliados de confiança, que não informariam seus oponentes sobre os planos - o conhecimento dos planos da campanha passou a ser restrito aos membros treinados até que tudo estivesse pronto. “Nós intencionalmente decidimos não envolver as autoridades de maneira direta já que era óbvio que o chefe da polícia havia ameaçado eles com demissões e transferências, logo eles não poderiam ir contra seus desejos.” Disse Khamasi. A campanha envolveu aliados importantes, incluindo os famosos pilotos Boda Boda (transportadores de motocicleta), sociedades civis, facilitadores treinados do Turning the Tide, pessoas de negócio, a mídia e fazendeiros locais (Turning the Tide é um coletivo de treinamento de não-violência com base no Reino Unido http://www.turning-the-tide.org/ ).

Com o novo dia para a campanha definido para um sábado, era hora de realizar preparações sérias. Isso significava visitar a fazenda secretamente e preparar os materiais da campanha. “Eu visitei a fazenda tarde da noite, disfarçado como um visitante do vizinho, para me situar nos arredores, e depois fui ver a avó que havia se refugiado em uma igreja não distante de sua fazenda. Me caíram lágrimas ao ver a condição dessa anciã que havia sido subjugada com seus netos. Talvez esse tenha sido o momento que me fez decidir seguir em frente com a campanha independente das consequências. Eu não podia acreditar que alguém poderia ser submetida a atos tão desumanos", o líder do time declarou.

Dia da campanha

Na manhã da campanha o dia se parecia com qualquer outro, exceto dentro dos corações dos ativistas - esse era um cenário de vida ou morte portanto determinação para seguir em frente era primordial. Às 9 da manhã as pessoas começaram a chegar no ponto de encontro próximo a um mercado local. “O mercado ia vagarosamente iniciando seus trabalho sem que se percebesse o que estava prestes a acontecer. Com folhetos, cortes de jornais sobre a história, a ordem da legal, e pôsteres da campanha, nós iniciamos a mobilização no mercado com movimentação e dança inflamadas, e dentro de minutos juntamos uma grande multidão querendo saber o que estava acontecendo. Uma apresentação curta do plano foi dada para enfatizar nossa disciplinada campanha para não-violência, e muitos se ofereceram para se juntar. Nós imediatamente formamos um comboio de motocicletas e as mulheres cantaram canções de ânimo por todo o caminho, até a casa da avó" se recorda o líder do time.

Conforme a procissão entrava na casa, os vigias se surpreenderam ao ver uma grande multidão na casa que eles haviam sido contratados para proteger. As mulheres dançavam, a vila inteira veio ver o que estava acontecendo. Muitos moradores ficaram felizes em receber a avó de volta depois de muitas semana desde seu despejo. Muitos não podiam acreditar no que viam - eles sabiam que a fazenda havia sido tomada por uma pessoa poderosa no governo e que era guardada por policiais armados. Muitos se perguntaram como a avó foi capaz de retomar sua fazenda apesar de ser tão "desprovida de poder". A comunidade havia optado por permanecer em silêncio, embora soubessem que essa era a única casa para essa avó, e que ela havia se refugiado em uma igreja na redondezas.

Um dos ativistas fez uma oração antes que todos começassem a construção de uma nova casa bem em frente daquela que havia sido demolida. A multidão inteira ajudou, e foi encorajada ao ver como a comunidade poderia se unir sob uma causa para ajudar a mulher a reconstruir sua casa. Dentro de uma hora a superestrutura da casa estava pronta para o telhado. As mulheres estavam ocupadas providenciando água para as paredes de barro.

Respondendo à violência policial

Por volta das 2:30 da tarde, quando a casa estava pronta para ganhar um telhado, o time da campanha foi informado que um contingente de policiais armados estava prestes a chegar. “Rapidamente orientamos a todos que permanecessem calmos. Em menos de cinco minutos a viatura - dirigindo em velocidade máxima e com o faróis altos - virou subitamente na propriedade e, antes mesmo de parar, os policiais armados haviam saltado dela, atirando suas armas e jogando gás lacrimogênio na multidão os fazendo correr por sua segurança. A vila inteira foi tomada por gás lacrimogênio, e até mesmo pequenas crianças foram vistas sufocadas com o gás.” Muitas pessoas se machucaram, mas isso não deteve o time da campanha de seguir com ela para assegurar que a avó estava em sua casa por direito.

A multidão havia deixado a propriedade, e os policiais estavam por toda a parte. “Nós rapidamente reagrupamos e discutimos uma maneira de agir - concordamos que três representantes procurariam audiência com os policiais armados. Entramos em um diálogo, mas fomos categóricos em dizer que não estávamos prontos para nos retirarmos exceto por ordem da corte. A multidão ficou agitada mas conseguimos acalmar a todos, fomos fieis aos nossos princípios de não-violência. Acredito que foi nessa hora que o nosso poder de cooperação estava em funcionamento, poder com !!" explica o líder do time. “Depois de longas horas de negociação os policiais concordaram em ir e deixar a avó em paz na sua casa.”

A multidão estava determinada a terminar a casa antes do pôr-do-sol, e, às 6 da tarde, a casa já tinha telhado. Todos estavam muito alegres por terem conseguido mesmo após serem ameaçados com armas. Isso provou que a não-violência é mais poderosa que qualquer arma. Embora a avó tenha perdido seu casarão depois do despejo, ela está feliz de estar de volta à sua fazenda em uma casa que a comunidade construiu para ela.

Estratégias não-violentas têm provado acima de qualquer dúvida que elas podem ser usadas para intervir em muitas injustiças em nossas comunidades. O fato que a não-violência trouxe resultados em tais condições, em que uma agitação violenta não teria alcançado um resultado tão positivo, demonstra seu potencial. Violência teria complicado as coisas ainda mais e não teria nos ajudado a alcançar nosso objetivo. Ao longo do período curto em que as estratégias foram testadas no Quênia, elas alcançaram resultados positivos que levaram muitos a querer saber mais sobre as estratégias de não-violência, e permitiu que o movimento crescesse. A exposição ao risco de ativismos não-violentos é frequentemente menor quando comparada com táticas violentas. Mudanças não-violentas envolvem tanto o opressor quanto o oprimido, permitindo resoluções mais sustentáveis para os conflitos. Ao minimizar os riscos durante a campanha, mais pessoas podem se envolver e o movimento pode crescer a cada dia. Atuantes da não-violência devem procurar soluções convenientes para todos em conflitos, para permitir maior reconciliação e diálogo depois do conflito.