Traduzido por Clara Carybé

Houve uma nova consciência política em Israel em meados da década de 1990. Um número crescente de israelenses se opunha à presença de Israel no Líbano e à perda de vidas israelenses. Alguns questionavam a invasão das terras palestinas pelo governo. As manifestações ocorriam diariamente, em especial nos principais cruzamentos, para pressionar Israel a sair do Líbano. Havia vários grupos que lideravam os movimentos de base da época: Four Mothers (Quatro Mães), Mothers and Women for Peace (Mães e Mulheres pela Paz) e Women in Black (Mulheres de Negro).

Pessoalmente, meu filho havia decidido não se alistar no exército, e eu precisava me envolver mais. Comecei a procurar pessoas que estavam fazendo análises críticas na esperança de encontrar um grupo de apoio. Eu tinha uma vizinha que era ativista social e começamos a ir às manifestações no cruzamento perto de casa. Lá ouvi uma mulher falando à multidão sobre intensificar o envolvimento. No dia seguinte, liguei para ela e fui informada sobre um grupo de estudo que tinha começado recentemente a fazer reuniões mensais. O grupo era formado por mulheres brancas de classe média e média alta (de ascendência europeia, em oposição à origem mizrachi, etíope ou palestina), mais parecidas comigo, procurando alguma maneira de promover mudanças conjuntas. Algumas já participavam ativamente do movimento pela paz, e haviam perdido parentes na guerra.

No grupo de estudo, aprendi a observar as coisas com um olhar crítico feminista. Rela Mazali, feminista, autora e ativista dos movimentos pela paz e direitos humanos há muitos anos, era a facilitadora. Ela trazia materiais que analisamos para entender por que as coisas são como são. Nós questionamos: por que Israel é uma potência militar? Por que há tanta discriminação em Israel? Quais são as semelhanças entre a pirâmide de poder na vida militar e vida civil em Israel? O que é vitimização? Quais são os papéis das mulheres e mães? Qual é a herança judaica e qual papel desempenha hoje em Israel?

Conversamos sobre movimentos eficazes com os quais podíamos aprender. Analisamos dois grupos sul-africanos diferentes, mas relacionados, que trabalharam para acabar com o apartheid. Eles são exemplos igualmente importantes do poder de pequenos grupos focais que trabalham em movimento espiral e ganham força.

Estudamos a “Campanha sul-africana pelo fim do recrutamento”, que foi “lançada por várias organizações comunitárias (CO) em 1983 para se opor ao recrutamento a serviço do apartheid. Em 1985, depois que as tropas brancas foram posicionadas nos subúrbios de maioria negra, a quantidade de recrutas que não fizeram o alistamento aumentou 500%”. Discutimos a campanha “Fim do Recrutamento” usando o estudo e a pesquisa de Rela Mazali como ativista e escritora, em sua leitura em curso sobre militarização: o livro de Jacklyn Cock, Women and War in South Africa (Mulheres e Guerra na África do Sul). Depois continuamos trocando e-mails com ela e outros.

Também estudamos o movimento Black Sash (Faixa Negra), um grupo não violento de mulheres brancas que, fazendo uso da segurança de sua posição privilegiada, desafiaram o sistema do apartheid. Essas mulheres usavam faixas pretas para expressar desaprovação ao sistema racista. As faixas eram amarradas em árvores, postes, em antenas de carro, em qualquer lugar onde estivessem visíveis a todos. Nós tentamos usar uma faixa laranja semelhante à faixa preta da África do Sul como um símbolo, amarrando-as em todos os lugares possíveis, mas a campanha nunca decolou, não funcionou na época. (O movimento da Faixa Negra foi uma inspiração para o movimento Mulheres de Negro, fundado em Israel em 1987).

Mas encontramos outro aspecto do trabalho do movimento muito útil. Enquanto líamos sobre ele, também ficamos sabendo como, em 1999, mulheres sul-africanas (uma branca, uma negra e outra de ascendência indiana) mediaram um seminário que reuniu mulheres israelenses da esquerda.

As sul-africanas não podiam se reunir em grupos de mais de três pessoas. Então havia reunião em grupos de três e, em seguida, uma delas se reunia com mais duas pessoas. As sul-africanas trabalharam nesse movimento circular, usando essa forma mais profunda de trabalho em rede para divulgar mensagens e dialogar sobre o fim do recrutamento. É uma questão de discussão, não de palestras. Se você encontrar alguém que concorde com você em apenas um tema, discuta sobre ele. Um a um, ou um com um grupo muito pequeno, é mais eficaz. É preciso muita energia para se organizar. A vida cotidiana é difícil e é preciso muito esforço para ser ativista. Mas dedicar tempo a esse tipo de processo pode ser profundo e eficaz.

“Para o nosso primeiro dia de estudo aberto em outubro de 1998”, Rela recorda, “escrevi os mais importantes princípios definidos e seguidos pela Campanha pelo Fim do Recrutamento e fiz uma breve palestra, evidenciando também possíveis semelhanças e diferenças a partir do meu ponto de vista. Retornamos a essas questões de tempos em tempos em vários de nossas reuniões, discussões e encontros".

Em retrospecto, percebemos que essa foi a nossa conferência de fundação. Nós não tínhamos a intenção de formar um movimento. Queríamos mesmo era nos reunir e aprender. Os acontecimentos do dia e o fato de que mais de 150 pessoas que compareceram para discutir e aprender deixaram claro que havia pessoas com as quais poderíamos trabalhar.

O fato de meu filho ser um pacifista pode ter sido um fator importante em nossa discussão dentro do grupo quando olhamos para a questão do recrutamento e a escusa de consciência. Alguns sentiram que a escusa de consciência era radical demais e depois deixaram o grupo. Cerca de 12 das primeiras 30 mulheres que participaram do que se tornou dois grupos de estudo ainda estão ativas no New Profile hoje. Em agosto de 2000, o New Profile discutiu iniciar uma campanha para o fim do recrutamento. No entanto, a Intifada que começou um mês depois enfraqueceu a ideia. Estamos voltando a isso agora com nossa nova campanha "Pensando antes do alistamento". O New Profile reconhece que o recrutamento tem uma grande participação na militarização de Israel. Mesmo que a ocupação termine, ainda temos que desmilitarizar a sociedade israelense.

O New Profile tem mantido um equilíbrio entre aprendizagem e ação. Temos dias de estudo interno e sessões abertas. Temos círculos de aprendizagem de cinco a sete vezes por ano, geralmente acerca de questões sobre as quais queremos aprender mais. Às vezes nos concentramos em uma questão muito específica durante a nossa plenária mensal. Ela geralmente não tem oradores convidados e se concentra em diferentes aspectos do que pode vir a ser a base de uma ação. Mas, em outros dias de estudo e círculos de aprendizagem, podemos ter oradores convidados. Às vezes, o facilitador é alguém de dentro do grupo que aprendeu sobre um tema em particular ou é especialista no assunto sobre o qual queremos saber mais e coletivamente. Não há hierarquia no New Profile. Somos uma organização ativa que tem trabalhado sem um conselho administrativo por dez anos. Nada é feito individualmente ou sem análise. Nada muda da noite para o dia e, para realmente fazer a mudança acontecer, precisamos ser persistentes. Nosso estudo de movimentos efetivos deixou isso claro.

Informações para queer antimilitarista

Sahar Vardi

Como parte do trabalho do New Profile com jovens que enfrentam dificuldades com o sistema militar antes e durante da conscrição, encontramos vários casos de discriminação e violência homofóbica e transfóbica. Por exemplo, um psicólogo militar que se referiu a um transgênero como pervertido ou um caso de um jovem soldado gay que sofreu ameaça de espancamento por parte de seus companheiros caso ousasse fazer “alguma coisa” com qualquer um deles durante a noite. Quando ele informou a ameaça aos seus oficiais de comando, eles o ignoraram e, como resultado, teve que abandonar o posto no meio da noite, com medo de voltar para o alojamento. Esses são apenas dois dos muitos exemplos não apenas do comportamento homofóbico dos soldados, mas também dos oficiais e da própria estrutura militar, deixando os jovens desamparados dentro do sistema.

Ao mesmo tempo, o discurso queer introduzido em nosso trabalho com os jovens, tanto em nossos grupos juvenis quanto no acampamento de verão anual alternativo, está levando o New Profile a abordar, em um processo ainda em curso, a conexão entre teoria queer, feminismo e militarismo, e como podemos conectar essas diferentes mensagens em nosso trabalho. Esse processo foi iniciado pelos próprios jovens, após serem expostos a conteúdos críticos pelo New Profile. Em contrapartida, esses jovens trouxeram para a organização sua própria identidade e política desenvolvidas no espaço seguro que nós oferecíamos.

Esse processo de ver as coisas através de uma lente política queer vem junto com um crescente discurso sobre branquitude e como podemos desafiá-lo em nosso trabalho. Neste momento estamos mesmo em um estágio de aprendizado, buscando entender os problemas em si e como eles estão relacionados com a nossa análise. Isso tem relação com identidade e como aqueles presos por recusarem publicamente o recrutamento são vistos e com o desafio da visão de heroísmo da escusa de consciência em oposição às pessoas que evitam o serviço militar sem uma declaração pública clara, muitas vezes sigilosa, e várias outras questões que afetam nosso trabalho atual.

No lado prático, reconhecendo as dificuldades incomuns, porém específicas, que muitos adolescentes queer e especialmente os trans* enfrentam enquanto passam pelo processo de dispensa do serviço militar, o New Profile trabalha em colaboração com o Projeto Gila (http: //www.gila-project.com/), em um trabalho de empoderamento trans* para e por pessoas trans. Os voluntários do Projeto Gila oferecem apoio da comunidade para quem precisa, incluindo muitos adolescentes. Além de promover a troca frequente de informações sobre pessoas trans* que evitam o serviço militar e apoiá-los em vários níveis (Gila em nível comunitário e New Profile no nível prático de como evitar e recusar o serviço militar), a rede de aconselhamento do New Profile aspira a treinar voluntários do Gila sobre a especial burocracia militar para que eles sejam capazes de oferecer independentemente esse apoio para aqueles que estão dentro do seu raio de ação.

Estamos apenas no início desse processo, liderado de baixo para cima pelos participantes de nossos programas. Esperamos poder articular melhor essas conexões no futuro e descobrir como isso pode se manifestar em nosso trabalho.